Publicado em: 17/11/2022
Uma transição climática justa requer de investidores e empresas a adoção de salvaguardas, princípios e diretrizes de justiça socioambiental na execução de projetos econômicos em regiões habitadas por populações de baixa renda e áreas relevantes para a conservação da biodiversidade e o equilíbrio do sistema climático, incluindo territórios de povos indígenas e tradicionais e ocupados por pequenos produtores e assentados da reforma agrária. É o caso de diversas áreas da Amazônia onde a Synergia atua.
Grande parte desses princípios e salvaguardas encontra-se contemplada em compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como as Convenções das Nações Unidas sobre Desertificação, Diversidade Biológica e Mudança do Clima, o Acordo de Paris e a Agenda 2030 da ONU e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Antes de mais nada, é imprescindível que atividades de redução das emissões de gases de efeito estufa em áreas sob pressão do desmatamento respeitem o conhecimento e os direitos dos povos indígenas e tradicionais, consoante preconizam as Salvaguardas de Cancún ao mecanismo de Redd+[1], adotadas na COP16, realizada no México. Como assinala o documento, os empreendimentos também precisam considerar obrigações internacionais relevantes, leis nacionais e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovada em setembro de 2007 pela Assembleia Geral da ONU.
Entre esses direitos, encontra-se o que assegura participação plena e efetiva de povos indígenas, comunidades tradicionais e associações de pequenos produtores e assentados da reforma agrária nas negociações para a aprovação de projetos públicos e privados em seus territórios, especialmente os de infraestrutura. Nessas situações, deve ser garantido o direito à consulta livre, prévia e informada dessas comunidades, segundo prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Como acertadamente observa a Carta de Alter sobre o procedimento da Convenção 169, publicada em 5 de setembro passado (Dia da Amazônia) pelo Fórum Amazônia Sustentável, “faz-se necessário criar e implementar mecanismos para assegurar que os protocolos de consulta já desenvolvidos sejam implementados”.
Outro tema importante da transição climática justa é o da repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes do acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado com comunidades indígenas e tradicionais, conforme estabelece a Lei da Biodiversidade (Lei Federal nº 13.123/2015), que internalizou na legislação brasileira as diretrizes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), adotada na Rio-92.
Finalmente, há uma série de ações, diretrizes e salvaguardas relacionadas ao conceito de “licença social para operar” em territórios povoados por comunidades indígenas, tradicionais e integradas por pequenos produtores e assentados da reforma agrária. Basicamente, esta expressão remete à necessidade de aprovação pela comunidade do empreendimento a ser instalado em seu território, mesmo que a empresa responsável pelo projeto já tenha obtido a licença ambiental para sua obra. A “licença social para operar” não está prevista na legislação brasileira, mas vem ganhando a atenção das empresas, uma vez que projetos com elevado nível de segurança socioambiental e aceitação da comunidade tendem a reduzir os riscos financeiros, legais e reputacionais para os investidores.
Tal segurança também pode ser favorecida pelo fortalecimento do pilar da prevenção nas ações de prevenção, mitigação, reparação e compensação de impactos socioambientais potencialmente adversos de atividades econômicas instaladas ou a serem instaladas em territórios de povos indígenas e tradicionais que habitam áreas de interesse para a conservação e o sistema climático. Os custos sociais e financeiros dos projetos podem ser significativamente enxugados com a adoção de medidas preventivas, tais como a estruturação de uma rede de educação e saúde e a capacitação de mão de obra local adequada para as atividades do futuro empreendimento, diminuindo a demanda por trabalhadores de regiões distantes.
Em parceria com a Climatempo, o Instituto Ethos lançou na COP27 o Protocolo de Ação Empresarial em Extremos Climáticos e Justiça Socioambiental, formulado a partir de discussões em seus grupos de trabalho sobre meio ambiente e direitos humanos, que contam com a participação da Synergia. Trata-se de uma ferramenta estratégica de articulação entre as agendas de direitos humanos e meio ambiente para estimular as empresas a transversalizarem “temáticas e abordagens, além de investir em práticas de prevenção, mitigação, reparação e responsabilização, contribuindo para uma sociedade mais justa, sustentável e respeitosa”.
O protocolo assinala que “empresas com bons níveis de integração estratégica [entre as agendas de direitos humanos e meio ambiente] poderão oferecer maior transparência aos investidores, tanto quanto aos riscos e oportunidades em seu setor, bem como ao oferecer melhores maneiras de avaliar o compromisso empresarial e a perenidade das ações responsáveis”.
O documento será bastante útil para as empresas interessadas em avançar nas agendas de direitos humanos e justiça socioambiental e climática, dois tópicos que ainda costumam causar embaraços reputacionais e causar insegurança entre os investidores.
Texto elaborado por Maria Albuquerque, fundadora e CEO da Synergia Socioambiental, e José Alberto Gonçalves Pereira, consultor em sustentabilidade
[1] O Redd+ deriva da sigla do mecanismo de Redd (Redução de Emissões do Desmatamento e da Degradação Florestal). O sinal positivo adiciona ao escopo inicial do Redd o papel da conservação e do aumento dos estoques de carbono florestal e o manejo sustentável de florestas. O Marco de Varsóvia para Redd+, adotado na COP19, em 2013, prevê incentivos financeiros a países que aumentem seus estoques de carbono florestal por meio do mecanismo.
Cadastre-se e receba nossas novidades.