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Sustentabilidade é justiça ambiental contra a violação dos direitos fundamentais

Publicado em: 14/04/2023

Para se entender a importância da sustentabilidade e alcançarmos a justiça ambiental, é necessário compreender que a sustentabilidade é um estado de equilíbrio entre os recursos naturais e as nossas necessidades; entre a Terra e a espécie humana. Alcançar um estado de verdadeira sustentabilidade, um equilíbrio material que realmente proteja os recursos naturais e os ecossistemas, só será possível por meio de normas éticas, sociais, políticas e econômicas. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS) foram inicialmente elaborados com essa intenção.

A distinção entre o que é e o que deve ser, é crucial na identificação das variáveis em busca desse equilíbrio para não perder o caráter transversal da condição do meio ambiente e interface com as políticas — saúde, agricultura, indústria, urbana e lazer —, que incidem sobre uma determinada realidade.

Em nosso país, é sabido que – desde a conquista colonial, passando pela ocupação das terras, pela exploração dos recursos pela metrópole portuguesa e pela formação intersticial de um mercado doméstico – o trabalho de muitas pessoas fez um território privado para poucas delas.

Justiça ambiental - crianças observam comunidade pobre do alto. Foto: Getty Images
Pessoas em situação de vulnerabilidade são mais afetadas pela falta de justiça ambiental. Foto: Getty Images

Com o advento da Lei das Terras, em 1850, e a constituição de relações sociais capitalistas, a propriedade privada sobre o território e seus recursos tornou-se condição básica da exploração do trabalho livre; esquematizando dois processos que caracterizaram a partir daí a fronteira ambiental:

  • O primeiro diz respeito à concentração crescente de poder de controle dos recursos naturais nas mãos de uma elite econômica. Em nome de uma concepção industrialista de progresso, desestruturaram-se as condições materiais de existência de grupos socioculturais territorialmente referenciados e destruíram-se direitos de populações tradicionais, inseridas em formas sociais de produção não capitalistas;
  • O segundo processo característico da territorialidade capitalista é o da privatização do uso do meio ambiente comum, de que dependem todos os agrupamentos humanos.

Esses dois processos, sejam os associados à acumulação extensiva ou à intensiva, ensejaram, por sua vez, a abertura de frentes de resistência social. As lutas pela terra, pela água, pelas florestas precederam, por certo, a questão ambiental tal como é formulada. Tratava-se, no entanto, desde o início, de lutas por modos alternativos de apropriação da base material da sociedade.

O discurso ambiental veio, posteriormente, a incorporar essas lutas, dando margem a diferentes percepções e estratégias, novos argumentos e projetos no debate público. Tais lutas, juntamente com as preocupações de parte das elites mundiais com a problemática dos “limites do crescimento”, terminaram estimulando, no Brasil, um discurso ambiental de “âmbito governamental”.

É recente, portanto, a explicitação do meio ambiente como objeto de políticas em escala global. A fronteira socioambiental ultrapassa as questões legislativas relacionadas à legislação municipal, estadual e federal, justamente por ser um desafio para a legislação.

Da sustentabilidade à noção de cidadania ambiental

Na contramão do que entendemos como justiça ambiental, há um certo mito de que os problemas ambientais estão acima dos interesses das classes econômicas e dos conflitos gerados por esses interesses distintos. Aponta-se a poluição do ar, por exemplo, como afetando toda a população, independentemente da situação econômica dos cidadãos. Uma inversão térmica afeta os olhos e o sistema brônquio-pulmonar de todos. A poluição dos rios inutiliza-os como fonte de água potável e de lazer. A poluição do lençol freático acaba contaminando as hortaliças irrigadas com esta água. A diminuição da camada de ozônio na atmosfera aumentaria a carga de radiação sobre todos. Assim, a poluição não respeitaria as fronteiras socioeconômicas; seria uma praga realmente igualitária e democrática.

Mas as consequências da poluição ambiental para o ser humano não são distribuídas igualitariamente entre a população. Nem todos correm o mesmo risco de ver os filhos e filhas nascerem com deficiências, de sofrer problemas bronquiais ou de beber água contaminada. Então, o que determina quem vai arcar com os danos fisiológicos da poluição ambiental? Quais são os grupos, as categorias, as classes econômicas que são atingidas?

Barraco em péssimas condições e área sem saneamento. Foto: Adobe Stock
Consequências da poluição ambiental não são distribuídas igualitariamente entre a população. Foto: Adobe Stock

Não é difícil reconhecer que, nestas situações, são as classes desfavorecidas economicamente que estão expostas à poluição. É a mesma estrutura de classes sociais que determina a distribuição da riqueza, das oportunidades de ascensão social, dos canais de acesso aos centros decisórios, que determina também a distribuição da poluição na sociedade.

Até nos casos de efeitos aparentemente universais, cabe examinar mais de perto a cadeia de causa e efeito. As consequências da poluição do ar, de uma inversão térmica, por exemplo, no organismo humano, são moderadas pelo estado do indivíduo. Como se sabe, o nível de nutrição, as condições de trabalho e de habitação e o difícil acesso ao sistema médico-hospitalar são fatores que contribuem para essa situação. A poluição é mais um fator nessa equação dolorosa, e vem contribuir com a sua parte para a deterioração do bem-estar das pessoas.

Do direito à justiça ambiental: a ordem constitucional e a tutela do meio ambiente

A Constituição da República de 1988 – sintonizada com as Leis Magnas dos países industrializados e sensível às inovações das sociedades de massa, da comunicação e da tecnologia – estrutura, no caput do art. 225, a proteção do meio ambiente, litteris:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Interpretando tal dispositivo, constatamos a presença de um direito que vai além da pessoa física, caracterizando-se como transindividual, e mais, de natureza difusa, pertencente a todos, de forma indistinta. Três importantes aspectos trazidos no caput do art. 225, para a tutela do meio ambiente, também merecem realce: a titularidade do bem ambiental, a responsabilidade intergeracional e a participação da coletividade.

Quanto à titularidade do bem ambiental a Constituição diz tratar-se de bem de uso comum do povo, portanto, destinado ao uso coletivo, não podendo ser apropriado por quem quer que seja. Di Pietro (1999) referindo-se aos bens de uso comum do povo os define como “aqueles que, por determinação legal ou por sua própria natureza, podem ser utilizados por todos em igualdade de condições, sem necessidade de consentimento individualizado por parte da Administração”.

Ao nosso sentir, a natureza jurídica do bem ambiental é importante fundamento a respaldar a atribuição peculiar do Ministério Público na fiscalização da atuação administrativa no processo de intervenção socioambiental de qualquer natureza. Não se trata de interferência ou intervenção do promotor de justiça, mas sim, de dever constitucional.

Manifestação por sustentabilidade em comunidade. Foto: Isabelle Rieger/ATBr
Proteção do patrimônio ambiental é proporcional à consciência, educação e participação da população. Foto: Isabelle Rieger/ATBr

Deve-se lembrar que os recursos ambientais são finitos. Logo, interligados à noção de desenvolvimento sustentável, que se faz para o futuro, já que o uso dos bens ambientais deve possibilitar às futuras gerações, pelo menos, a mesma qualidade de vida saudável que temos hoje. Eis a responsabilidade intergeracional.

Assim, compatibilizar o sistema natural com o sistema social propiciando o equilíbrio ecológico do meio ambiente é o maior desafio dos órgãos públicos ou membros da coletividade na defesa do meio ambiente. A tutela consagrada na Lei Máxima exige a participação popular. A experiência demonstra que a eficácia da proteção do patrimônio ambiental é diretamente proporcional à consciência, educação e participação proporcionada pelo movimento à cidadania ambiental.

A participação não é uma concessão da lei ou do administrador, participação é uma construção, cuja base é o ideal de sociedade que as pessoas querem para si e para aqueles que lhes sucederão. No dizer de Demo (1993), “Não existe participação suficiente e nem acabada”.

Nos incisos e parágrafos do art. 225 da CF/88 o legislador constitucional estabeleceu os instrumentos para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente saudável. Como acentua Benjamin (RT, 1993), “a chamada função ambiental perpassa a órbita do Estado e chama o cidadão, individual ou coletivamente, para exercer algumas de suas missões…”

Logo, os argumentos conclusivos acerca da contribuição da justiça ambiental demonstram que o conceito é favorável à análise do desenvolvimento regional sustentável, pois permite conferir na ordem dos direitos civis as questões ambientais dirigidas ao Estado e nos alerta para a complexidade das relações entre o Poder Público e a Sociedade Civil na dinâmica dos eventos. A diferenciação técnica, profissional, científica e ideológica dos agentes do Estado é tal que não há uma equação simples entre as forças hegemônicas na sociedade, a intervenção do Estado e a concreta presença deste no cotidiano de cidadãos e cidadãs.

A instrumentalização do direito ambiental para o contexto da “justiça ambiental como prática social” dar-se-á quando o Estado, como mediador, traduzir as “tensões” da população em diretrizes de intervenção dos seus órgãos perspectivos. Com o objetivo maior de responder às exigências prementes da população e em prol dela.

Justiça ambiental - Crianças brincam em alto da comunidade. Foto: Adobe Stock
Sustentabilidade é uma das chaves para alcançarmos a justiça ambiental. Foto: Adobe Stock

Evidentemente, nada disso garante que os órgãos públicos efetiva e prioritariamente atendem aos interesses da população em geral, e não aos interesses de grupos políticos e economicamente dominantes. Mas sugere que não há um caminho determinado entre esses interesses hegemônicos e a atuação cotidiana desses órgãos institucionais, a exemplo do Ministério Público, uma vez que o campo de disputas democráticas já evidencia grupos organizados dos mais variados tipos.

A justiça ambiental só pode ser devidamente encarada quando isto acontece. Nem é o caso de desqualificar as ações destes grupos com vantagem econômica e partidos como formas de exercer a cidadania. Ao contrário, numa sociedade complexa como a brasileira neste século XXI, a cidadania não se dá como uma relação direta entre indivíduo e o Estado – é neste ínterim que a ciência política é manifesta ao analisar como o poder é distribuído –, as formas coletivas de reivindicação, de canalização de informações, e do atendimento aos direitos civis fundamentais.

Para a discussão acerca da fronteira ambiental, Mukai (2002) destaca que “em matéria ambiental a legislação municipal e a estadual não podem ir de encontro à lei federal”. A noção de hierarquia das leis está ligada à supremacia da Constituição. Aliás, cada estado tem uma Constituição própria e um conjunto de leis estaduais, que deve se enquadrar nas federais. Da mesma forma, os municípios, ao elaborar suas leis orgânicas e as demais leis, devem conformá-las de modo a não colidir com a Lei Estadual e a Federal.

É entendimento majoritário na doutrina que as normas de proteção ao meio ambiente são de interesse geral, destinadas a regulamentar a matéria em âmbito nacional, da mesma maneira que todas as matérias de interesse coletivo – que ultrapassa muitos dos entendimentos acerca de fronteiras ora apresentados neste esforço de compreensão do que se entende por justiça ambiental.

Aludindo sempre à luta pelo meio ambiente, caminhamos rumo à justiça, talvez a maior de todas, a da sustentabilidade humana.

 

Carla Rocha Sousa – Especialista em Desenvolvimento Social da Synergia

 

 


Referências

BENJAMIN, Antônio Herman (org.). Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: RT, 1993, p. 237-249.

DEMO, Pedro. Participação é uma conquista: Noções da política social participativa. Ed. Cortez: São Paulo, 1993. 2ª edição. p.21.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Editora Atlas: São Paulo, 1999. 10ª. Edição. p. 437.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. Editora Saraiva: São Paulo, 2017. 18ª edição.

LEONEL, M. A Morte Social dos Rios. São Paulo: Perspectiva, Instituto de Antropologia e Meio Ambiente: FAPESP, 1998 (Col. Estudos, 157).

MUKAI, Toshio. Direito Ambiental sistematizado. 4. ed. Forense: Rio de Janeiro, Universitária, 2002. p. 21.


			
10 – Redução das desigualdades
13 – Ação contra a mudança global do clima

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