Publicado em: 30/03/2024
O que são resíduos sólidos? A resposta mais direta e objetiva sugere que se trata de tudo aquilo que resta de alguma atividade, o que remanesce, as sobras de determinadas ações que podem se dar em nossa casa, em atividades comerciais e nos processos industriais.
Há grandeza de impactos potenciais muito maiores nas esferas de transformação produtiva e aquelas ligadas à comercialização de mercadorias e itens de consumo. Entretanto, a relação com os descartes na esfera privada é muito importante para a percepção sobre o tema e uma reflexão mais aprofundada sobre as relações de consumo.
Como compreendemos os resíduos[1]? Durante muito tempo, a noção de progresso, enquanto ações articuladas em direção ao futuro planejado, valeu-se de certa tolerância com essas “perdas”. Os cenários associados ao desenvolvimento não previam um movimento efetivo de redução da geração de resíduos, ou, em termos mais específicos: a busca pelo desperdício zero.
Atualmente, é fundamental que se compreenda que a utilização de recursos e, por conseguinte, a produção de resíduos, não seja naturalmente um fator associado ao crescimento econômico. É preciso dimensionar os custos que representam, bem como a perspectiva de busca por desperdício zero.
Os dados do relatório “Beyond an age of waste: Turning rubbish into a resource” (“Além da era dos resíduos: Transformar o lixo em recurso”), publicado em fevereiro de 2024 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), revelam que 2,3 bilhões de toneladas de resíduos sólidos foram geradas em 2023 – que custou cerca de US$ 252 bilhões a US$ 361 bilhões para ser gerenciado, conforme consideração ou não dos custos associados à poluição, danos à saúde e efeitos associados às mudanças climáticas. Este número, que pode chegar a 3,8 bilhões de toneladas em 2050, com o custo anual poderá atingir a impressionante marca de US$ 640,3 bilhões.
O relatório indica que o setor de gestão de resíduos deve se pautar por elevar as práticas de gestão, considerando modelos de economia circular, com sistemas que reflitam arranjos que ultrapassem a utilização linear dos recursos, sempre orientado pela perspectiva de garantir um futuro sustentável e economicamente viável.
O Dia Internacional do Resíduo Zero[2], celebrado em 30 de março, oferece uma oportunidade valiosa para refletirmos sobre nossas ações e nos comprometermos com um futuro em que a utilização de recursos e a geração de resíduos estejam dissociados do crescimento econômico.
Somente por meio de esforços coordenados podemos transformar a realidade dos resíduos em uma oportunidade para construir um mundo mais sustentável e resiliente para as gerações presentes e futuras.
Primeiramente, é imperativo reconhecer o papel de responsabilização dos setores na busca pela diminuição da geração de resíduos. Além desta premissa básica, os modelos de negócios devem pressupor o uso eficiente de recursos.
Um desses caminhos, por exemplo, seria a logística reversa. Trata-se de uma iniciativa que envolve procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento em seu setor e/ou em outros ciclos produtivos ou destinações adequadas.
A logística reversa, que é um dos instrumentos previstos pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) de 2010 relacionado à dimensão dos Acordos Setoriais, busca corresponsabilizar os diferentes atores ao envolver “toda a cadeia de produção, distribuição, comercialização, e até o consumidor final, passando pelo poder público” na destinação dos resíduos.
Contudo, o não atendimento dos prazos – previstos (e revistos) na PNRS para a implementação da disposição ambiental correta de todos os resíduos sólidos gerados em território nacional – é um indicativo da não priorização do tema nas agendas públicas e/ou da dificuldade técnica dos municípios para o desenvolvimento dos Planos Municipais de Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos. Os planos, neste caso, se configuram como guias para o estabelecimento de fluxos de processos e metas em direção ao resíduo zero.
Outra perspectiva importante é a de apoiar os governos nos esforços para regular a produção de resíduos, reconhecendo que a regulamentação cria um campo de concorrência equitativo e estabelece um parâmetro comum de regulamentação, no lugar de metas voluntárias que apenas aumentam a incerteza e dão margem para ações pouco efetivas em direção à sustentabilidade.
Assim como salientado pela diretora-executiva do PNUMA, Inger Andersen, durante a 6ª Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA6) em Nairóbi, “é preciso olhar para o lixo como um recurso” e não como um rejeito. É neste ponto que também se inserem as iniciativas de educação ambiental formal, nível escolar, e não formal – práticas desenvolvidas em espaços extraescolares, como no ambiente de trabalho, no convívio familiar ou na comunidade.
Essas iniciativas buscam instigar a reflexão sobre o comportamento do indivíduo com o ambiente ao qual ele está inserido, e o seu papel na defesa da qualidade desse ambiente. Consideram-se, dentre outros quesitos, os hábitos de consumo, a relação com a manutenção e preservação dos materiais adquiridos e a disposição final.
Uma vez que a sociedade, munida de informações verdadeiras, claras e práticas, assume suas responsabilidades, a tendência é reduzir o consumo de produtos de baixo reaproveitamento ou de reciclagem complexa, e maior será a cobrança por posturas ambientalmente responsáveis por parte dos fabricantes e do poder público.
Texto elaborado por Maurício Mirra,
coordenador de projetos na Synergia Socioambiental
[1] Restos das atividades humanas, considerados pelos geradores como inúteis, indesejáveis ou descartáveis. Normalmente, o que se considera descartável, apresenta-se sob estado sólido, semi-sólido ou semilíquido (com conteúdo líquido insuficiente para que este líquido possa fluir livremente), então, “sólido” é para diferenciar do que é orgânico e pode ser descartado via saneamento, por exemplo.
[2] A Assembleia Geral das Nações Unidas, em 14 de dezembro de 2022, reconheceu formalmente a importância das iniciativas de resíduo zero e proclamou 30 de março como o Dia Internacional do Resíduo Zero, a ser observado anualmente a partir de 2023.
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