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Estocolmo é aqui: reconectar com o passado para garantir nosso futuro

Publicado em: 04/07/2022

Vivemos em uma época de desafios à constante busca de prosperidade. Às novas demandas sociais somam-se riscos existenciais, não só para nós, seres humanos, mas para a vida na Terra como hoje conhecemos: novas pandemias, a crise global do ambiente, o constante perigo de autodestruição pelas armas nucleares. Ameaças criadas pela humanidade, por nossa capacidade inventiva e inteligência, que precisam ser reconhecidas e superadas. Em um mundo globalizado as soluções passam pela evolução de pactos e agendas internacionais voltadas à promoção da sustentabilidade.

Aparentemente, porém, essas soluções são frágeis. As grandes desigualdades e prioridades entre nações dificultam a implementação de soluções. O atual conflito na Ucrânia nos faz refletir sobre isso.  Muito além dos impactos locais – campos devastados, contaminações químicas, imensidões de resíduos sem destinação – vemos a Europa retomando o uso do carvão para geração de energia, a pressão pela retomada da energia nuclear e o crescimento da inflação deflagrando uma resistência aos custos das novas matrizes energéticas.

Apesar de estarrecedor, esse complexo contexto não nos é estranho. Em 1972, em um contexto de profundas divisões geopolíticas globais, corridas armamentistas e poluição ambiental, a Organização das Nações Unidas reuniu na capital da Suécia representantes de nações e povos na sua primeira grande conferência sobre o meio ambiente. Nos conceitos daquele momento, crescimento econômico e ecologia precisavam ser compatibilizados. Em 2022, o mundo mais uma vez se encontra em Estocolmo, revisitando o passado e construindo os caminhos para o futuro comum.

Conferência de Estocolmo. Homem em meio à terra seca. Foto: Autossustentavel.com
Estocolmo+50 debateu a tripla crise planetária de mudança do clima, poluição e resíduos e perda da natureza e da biodiversidade. Foto: Autossustentavel.com

É evidente que o regime ambiental internacional evoluiu, mas não está sendo célere e nem suficiente para conter os desafios atuais. A conferência Estocolmo+50 busca manter o compromisso político e as ambições de ações já acordadas. Almeja retomar o trilho das medidas concretas para conter a crise ambiental global, implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e um pacote adicional de medidas que suportem os mais afetados pela pandemia. Quer, portanto, reforçar os princípios e bases comuns do direito ambiental internacional, ao mesmo tempo em que indica ser necessário assumir novas responsabilidades e agir agora.

O Brasil precisa resgatar sua tradição de protagonismo nas negociações internacionais de ambiente, como uma agenda positiva ao país. Somos o guardião da maior biodiversidade da Terra, um pujante produtor de alimentos e de recursos naturais, fundamentais para a segurança alimentar e climática global. Nossa riqueza deve, portanto, ser elemento central no nosso desenvolvimento, colocando a bioeconomia como grande plataforma de oportunidades para todos. Esse patrimônio natural está sob nossa responsabilidade e pode ser a nossa maior oportunidade desse século. A Amazônia simboliza essa grandeza natural, mas a riqueza da biodiversidade está em todo o território, devendo ser motivo de orgulho aos brasileiros.

Talvez tenha chegado o momento de se refletir sobre a interação do homem e do meio ambiente sob uma nova visão. É preciso dimensionar o valor das comunidades tradicionais, populações indígenas, grupos étnicos em extinção, na contenção das mudanças climáticas. É preciso medir, calcular e mitigar o impacto negativo da adesão de uma comunidade ribeirinha à atividade pecuária, em relação à produção de carbono. Devemos compreender os benefícios da atividade bioeconômica de uma população indígena na conservação da floresta, introduzindo esses valores nas transações dos mercados de carbono.

Conferência de Estocolmo. Aldeia Arawaete Foto: Adobe Stock
A Conferência de Estocolmo 2022 destacou o importante papel das comunidades tradicionais no combate à crise ambiental e climática. Foto: Adobe Stock

Trata-se de um mundo integrado fundamentalmente por questões econômicas. É necessário, portanto, que o valor e o custo social sejam inseridos na balança ambiental, participem das contas sobre os mercados de ativos ambientais, da priorização de políticas comerciais mundiais, como requisitos socioambientais. Por exemplo, quanto o saneamento de um bairro insalubre minimiza a contaminação hídrica, e qual o valor socioambiental desse impacto positivo?

É um discurso que aparenta ser idealista, mas que possui os meios para avançar. A Europa, os Estados Unidos e a China já possuem seus pactos ecológicos, com vultosas somas de investimento alocadas para promover a transição para a economia de baixo carbono, alavancando os esforços do pós-pandemia. O Brasil, por sua vez, possui um arcabouço jurídico que pode sustentar novos avanços. A Constituição Federal de 1988 é o nosso pacto social e contempla a harmonia entre a sociedade e o ambiente. É sob esse ponto que devemos avançar, retomando a confiança de parceiros externos, que podem contribuir e investir nos novos modelos baseados na bioeconomia.

O país tem não apenas as condições, mas também os meios para aproveitar esse momento. Já provamos que sabemos como fazer. Os centros de pesquisa e universidades, o setor produtivo, as instituições, os espaços cívicos, a cultura, são elementos dinâmicos e capazes de contribuir para a transição à bioeconomia, da nossa própria maneira. Somos, por exemplo, campeões na agricultura tropical, na biotecnologia e nas energias renováveis. Isso não é pouco.

A Conferência de Estocolmo nos lembra que não há tempo para distrações. As sombras de visões autoritárias, de ganhos rápidos e de discursos fáceis não podem colocar os desafios socioambientais do nosso tempo em segundo plano. A crise ambiental e climática requer respostas à altura e ações concretas priorizadas. O Brasil deve ser parte da solução, mas para isso devemos retomar nossos compromissos do passado e avançar. Há, portanto, muito o que fazer para que nos reste muito a fazer.

 

Luiz Eduardo Rielli – Sócio da NOVí Consultoria. Doutorando em Políticas de Desenvolvimento Sustentável e Mudanças Climáticas pela Universidade de Lisboa. Esteve na Conferência Estocolmo+50.

Maria Albuquerque – Fundadora e CEO da Synergia Socioambiental. PhD em Estruturas Ambientais Urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

11 – Cidades e comunidades sustentáveis
12 – Consumo e produção sustentáveis
13 – Ação contra a mudança global do clima

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