Publicado em: 21/02/2024
A expansão ferroviária é uma crescente no mundo e, mesmo que em menor escala, não deixa de ser um fato no Brasil. O setor ferroviário terá desafios socioambientais a serem enfrentados para atender ao Plano de Expansão da Malha Ferroviária proposto pelo Governo Federal.
Segundo reportagem do jornal Valor Econômico, dentro do Novo PAC, o Governo Federal planeja investir R$ 94,2 bilhões em 35 empreendimentos, sendo R$ 55,1 bilhões até 2026 e mais R$ 39,1 bilhões nos anos seguintes. A maior parte desse investimento, segundo o Ministério dos Transportes, virá da iniciativa privada, por meio de 15 trechos de concessões novas ou já existentes.
Independentemente desse cenário futuro, o modal ferroviário é atualmente no Brasil uma importante ferramenta de desenvolvimento econômico e integração regional, facilitando o transporte de mercadorias, principalmente, e de passageiros. Se ainda é modesta em comparação a outros países, a malha ferroviária brasileira é essencial para cobrir as dimensões continentais do Brasil.
De acordo com a Associação Nacional de Transportes Ferroviários – ANTF (2023), o Brasil ainda tem uma malha ferroviária de baixa densidade em comparação à rodoviária. Também de baixa amplitude quando comparada a outros países com escala continental, como mostra o gráfico abaixo produzido pela entidade.
A expansão da malha ferroviária brasileira, planejada pelo Governo Federal para os próximos anos, chega carregada de otimismo para o desenvolvimento nacional, mas também de preocupação, já que frequentemente afeta comunidades que vivem próximas às linhas férreas, e este é o ponto que chamamos a atenção aqui.
Entender os desafios enfrentados no relacionamento entre empreendimentos ferroviários e comunidades locais é condição fundamental para que a expansão da malha ferroviária no Brasil represente melhorias efetivas para o crescimento do país e da sociedade.
Esse entendimento passa tanto pela avaliação dos impactos quanto pelas melhores práticas para mitigá-los, destacando a importância de abordar essas questões de forma colaborativa e sustentável.
A expansão ferroviária e os empreendimentos ferroviários podem gerar impactos diretos que devem ser considerados, como deslocamentos e desapropriações, emissão de ruído e poluição do ar, supressão da vegetação e riscos à segurança física.
Além desses, existem os impactos indiretos, como isolamento socioterritorial em seu entorno imediato, segregando populações vizinhas e alterando o modo de vida das comunidades locais.
Destacamos outros fatores que podem ser importantes e devem ser considerados no processo de expansão da malha ferroviária em território nacional:
Em análise quanto às diferenças entre o transporte de passageiros e mercadorias por meio das ferrovias é possível destacar potencialidades, particularmente nas condições brasileiras.
Investir no transporte de passageiros por ferrovias pode promover uma alternativa sustentável ao transporte individual, aliviando a pressão sobre as estradas, reduzindo acidentes e, principalmente, emissão de poluentes.
Assim, expandir a rede conectaria cidades e regiões, inclusive estimulando turismo e fortalecendo laços econômicos e culturais. Se bem planejado, trata-se de promover um desenvolvimento urbano com tendências a priorizar a mobilidade coletiva e minimizando impactos negativos nas comunidades locais.
Com relação ao transporte de mercadorias, esse demonstra eficiência na movimentação de grandes volumes e cargas a longas distâncias, reduzindo congestionamento em estradas, dependência do setor rodoviário e emissão de gases de efeito estufa.
O modal ferroviário tende a impulsionar o desenvolvimento econômico também em áreas remotas e, ainda, promover a interconexão com outros modais de transporte, especialmente portos, favorecendo a exportação dos diversos tipos de insumos produzidos no Brasil.
O transporte ferroviário, tanto de passageiros quanto de mercadorias, oferece oportunidades para impulsionar o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade no Brasil. No entanto, é crucial abordar os desafios associados a essa expansão de forma colaborativa e sustentável, garantindo que os benefícios se estendam a todas as partes envolvidas, especialmente às comunidades locais afetadas.
Um dos maiores desafios enfrentados pelas comunidades próximas a empreendimentos ferroviários é o deslocamento forçado e a desapropriação de terras. Frequentemente, as ferrovias exigem espaço adicional para expansão ou modernização, o que pode resultar na remoção de famílias de suas casas.
Boas práticas internacionais[1] recomendam que deslocamentos devem ser evitados. No entanto, nem sempre isso é possível e, nesses casos, isso demanda um planejamento minucioso por parte das empresas envolvidas, a fim de realizar um adequado tratamento das famílias impactadas.
As empresas líderes em transporte ferroviário devem possuir áreas dedicadas a estabelecer programas contínuos de relacionamento comunitário e a elaborar Planos de Atendimento capazes de prever riscos e oferecer soluções socioambientais adequadas para cada situação.
Um bom Plano de Atendimento, construído de forma colaborativa e sustentável, é capaz de conduzir processos de deslocamento que garantam a mitigação de impactos e potencializem as condições de vida dos sujeitos envolvidos.
Outro ponto de grande preocupação em operações ferroviárias diz respeito à geração de níveis significativos de ruído e poluição do ar, que afetam a qualidade de vida das comunidades vizinhas.
Diferentes fontes de ruído podem contribuir para o desconforto acústico em comunidades vizinhas, tais como a propagação de ruído associada ao rolamento do trilho, frenagem, buzina, tração, ruído aerodinâmico e, ainda, de equipamentos secundários e/ou outros componentes (ISO 3095: 2013).
As operações ferroviárias também contribuem para a poluição do ar, apontando consequências à saúde pública e ao meio ambiente, principalmente em comunidades próximas às linhas férreas, onde a exposição é mais concentrada. Poluentes emitidos podem causar, por exemplo, problemas respiratórios e agravar condições como asma e doenças cardíacas.
Além dos impactos na saúde humana, a poluição do ar proveniente das operações ferroviárias também pode afetar ecossistemas naturais e causar danos à vegetação, corpos d’água e vida selvagem. A deposição de poluentes atmosféricos pode acidificar solos e corpos d’água, prejudicando a biodiversidade e afetando a qualidade dos ecossistemas locais.
Esses cenários acendem o alerta para que os empreendimentos ferroviários planejem suas instalações considerando a implementação de medidas de mitigação quanto ao incômodo causado por vibrações contínuas, como barreiras de som e tecnologias mais limpas que possam reduzir esses impactos negativos, bem como quanto ao controle da poluição do ar.
As comunidades próximas a ferrovias também enfrentam desafios de segurança, especialmente quando se trata de riscos associados ao trânsito ferroviário. Esse risco está presente tanto durante a construção da malha ferroviária, em que há intensa movimentação de maquinários e veículos diversos, quanto depois de sua implantação.
Mesmo que realizada toda sinalização obrigatória, instaladas barreiras de isolamento dos trilhos e outros mecanismos de segurança, é fundamental que haja programas de conscientização e educação junto à população impactada. Desenvolver programas de educação junto às escolas do território, articulados com o poder público e com organizações e associações comunitárias, é essencial para promover a segurança das pessoas.
Ao longo dos últimos anos, é perceptível um aumento na demanda de projetos socioambientais para apoiar grandes empreendimentos. E isso não apenas para cumprir exigências de legislação, mas sim para prevenir e mitigar impactos negativos e criar um laço com as comunidades vizinhas a eles.
Um bom exemplo de programa de sensibilização ambiental vem da Espanha, que tem uma das maiores malhas ferroviárias de grande velocidade. Por lá, são frequentes as campanhas de educação socioambiental, que passam desde cuidados e prevenção de incêndios florestais às margens das ferrovias, até programas de incentivo à utilização de transporte ferroviário para redução de pegada ecológica.
A chave para superar os desafios do relacionamento com as comunidades é a participação comunitária ativa e um diálogo aberto. As empresas ferroviárias devem envolver as comunidades locais desde o início, ouvindo suas preocupações e trabalhando juntas para encontrar soluções que sejam reais e mutuamente benéficas.
Aqui, a elaboração de diagnósticos socioterritoriais e de planos de ação junto às comunidades afetadas é de extrema importância. Algumas experiências recentes da Diretoria de Estudos e Pesquisas da Synergia com projetos ferroviários no estado de São Paulo demonstraram que iniciativas desse tipo têm sido pontos de partida para a identificação de oportunidades da atuação dos empreendedores, assim como para o fomento de comunidades mais resilientes, contribuindo para o fortalecimento de um diálogo transparente e participativo entre todas as partes interessadas.
Ou seja, o relacionamento entre empresas ferroviárias e comunidades vizinhas é complexo, mas não insuperável. É essencial abordar os desafios de forma colaborativa, promovendo o desenvolvimento sustentável, a justiça social e o respeito aos direitos das comunidades afetadas pela implantação de ferrovias, que muitas vezes podem ser consideradas vulneráveis – especialmente aquelas localizadas em áreas rurais ou periféricas, em que oportunidades e recursos podem ser limitados e os direitos nem sempre estão garantidos.
Para a implementação de espaços de participação das comunidades e o necessário diálogo aberto nesses contextos, o mais recomendado é seguir com programas de relacionamento comunitário em linha com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), como ODS 8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico), ODS 10 (Redução das Desigualdades), ODS 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis), ODS 13 (Ação Contra a Mudança Global do Clima).
Texto elaborado por Laís Mourão, coordenadora de projetos na Synergia Socioambiental,
e Selma Singulano, gerente de projetos na Synergia Socioambiental
Este artigo é uma iniciativa do Centro de Estudos Synergia (CES)
[1] A exemplo das notas de orientação da International Finance Corporation (IFC), dos Padrões de Desempenho do Grupo Banco Mundial, dentre outras documentações.
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