Publicado em: 07/07/2021
Você pode não ter notado, mas neste exato momento, a Amazônia encontra-se em uma encruzilhada histórica. E não é difícil compreender como isso pode vir a impactar o curso do desenvolvimento, da conservação e da restauração da área amazônica.
A tendência internacional na priorização de agendas para o manejo global da biodiversidade e dos estoques de carbono se contrapõe à realidade nacional de alta nas taxas anuais de desmatamento.
O contexto global indica que, neste início da década que irá até 2030, as perspectivas apontadas pela ciência sobre a necessidade de mitigação e adaptação em curto prazo à mudança do clima favorecem a eclosão de diversas iniciativas e movimentos voltados à sustentabilidade, em torno de uma economia regenerativa, de baixo carbono, transparente e socioambientalmente responsável.
Gráfico 1 – Taxas anuais de desmatamento na Amazônia de 1998 a 2020. Retirado do site ((o))eco.
O acúmulo de conhecimento sobre o desenvolvimento das cadeias produtivas na Amazônia, e sobre os seus impactos e benefícios socioambientais, provoca a reflexão sobre a racionalidade na manutenção das formas históricas de uso e ocupação do solo na Amazônia Brasileira.
Conforme apontam estudos importantes, no território Amazônico a degradação da floresta não é acompanhada pela melhoria nas condições de vida das populações locais[1]. Tampouco as florestas dão lugar a cadeias produtivas decisivas para a economia regional e nacional.
O Produto Interno Bruto (PIB) da Amazônia Legal, que ocupa 60% do território nacional, é de 623 bilhões de reais, o que corresponde a 9% da produção nacional. Deste PIB Amazônico, 65% vêm de indústria e serviços, e apenas 12% da agropecuária. Existem na Amazônia Legal 750 mil km² de floresta suprimida, e a região colabora com 14,5% do PIB agropecuário nacional. Se fizermos uma comparação, São Paulo tem área agrícola de 193 mil km², e entra com 11,3% da produção nacional (Nobre et al, 2016).
Entre 2007 e 2016, o desmatamento médio de 7.410 km² por ano teve como resultado o acréscimo de 0,013% ao PIB brasileiro, segundo documento do Grupo de Trabalho pelo Desmatamento Zero, apresentado em 2017 na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 23), em Bonn, na Alemanha.
Estes dados parecem apontar para o fato de que a questão não se trata mais da velha oposição economia versus ecologia, desenvolvimentismo versus conservação. Não existe racionalidade econômica nem social para a manutenção do desmatamento na Amazônia hoje.
Um estudo de 2017, publicado pelo Instituto Escolhas, aponta que “se todo o desmatamento – e a consequente expansão da fronteira agrícola – no Brasil acabasse imediatamente, seja legal ou ilegal, incluindo terras públicas e privadas, haveria um impacto mínimo na economia do país.”.
Isto indicaria que, conforme os dados analisados, haveria uma “redução de apenas 0,62% do PIB acumulado entre 2016 e 2030, o que corresponderia a uma diminuição do PIB de R$ 46,5 bilhões em 15 anos, ou R$ 3,1 bilhões por ano.”. A conclusão do estudo foi de que este valor seria muito inferior ao que é investido pelo governo brasileiro em diversas áreas consideradas prioritárias.
Tal qual dissemos anteriormente, o desmatamento não reverbera em melhoria nas condições de vida da população nas áreas de expansão, como mostram estudos realizados pela ONG Imazon, que aponta descolamento entre supressão e desenvolvimento socioeconômico. A economia dos municípios nestes territórios tende a seguir um ciclo de alta de curto prazo, e declínio em seguida. Ou seja, nos primeiros anos de atividade econômica, ocorre um ilusório e rápido crescimento (boom), seguido de um severo declínio em renda, emprego e arrecadação de impostos (colapso).
A economia da Amazônia distanciou-se historicamente das vocações e potencialidades de suas florestas, rios navegáveis, estuário e costa oceânica, substituindo largas parcelas do espaço por formas de uso e ocupação com baixa rentabilidade econômica e alto custo socioambiental. Frente à percepção inequívoca da necessidade de uma revisão nos paradigmas para o planejamento territorial da Amazônia, a estruturação de novas cadeias produtivas sustentáveis e aderentes às potencialidades da floresta despontam como polo de inovação e engajamento em níveis diversos.
Neste cenário, a Amazônia torna-se lócus global do investimento de impacto e de cadeias produtivas sustentáveis. Um ecossistema institucional, social e cultural diverso esboça uma articulação em rede em prol do destravamento destas cadeias produtivas centradas na ideia da bioeconomia, conceito ainda com definições diversas, associadas à noção de geração de valor nos produtos compatíveis com a floresta em pé.
Iniciativas diversas mostram a multiplicidade de atores buscando sinergias e caminhos para a estruturação da bioeconomia do futuro. Entre elas, o Fórum de Inovação em Investimento na Bioeconomia da Amazônia, o Business Connection Brazil (realizado pelo BID), a AMAZ Aceleradora de Impacto, o projeto Amazônia 2030, a rede “Uma Concertação pela Amazônia”, a plataforma Investimento Social Privado (ISP) pela Amazônia, e a estratégia Amazônia 4.0, entre muitas outras de variados setores.
Ou seja, forças unidas pela construção de uma bioeconomia do futuro, pautada em uma economia do conhecimento da natureza, como diz Ricardo Abramovay (2019), capaz de transformar a conservação em ativo revertido em melhoria nas condições materiais de vida para os quase 30 milhões de brasileiros e brasileiras que vivem na Amazônia.
Um estudo sobre as exportações brasileiras entre 2017 e 2019, realizado pela iniciativa Amazônia 2030, revela que empreendimentos sediados na Amazônia exportaram 955 produtos no período, dos quais apenas 64 eram oriundos de cadeias compatíveis com a floresta. Somente a exportação destes, gerou ao Brasil uma receita anual de US$ 298 milhões. Embora pareça um valor significativo, o mercado global desses mesmos 64 produtos movimentou US$ 176,6 bilhões por ano.
Isso significa que as empresas da Amazônia mantiveram uma participação de apenas 0,17% no mercado global dos produtos que gerou. No mesmo período, o Brasil manteve participação média de 1,3%. Se as exportações compatíveis com a floresta conseguissem atingir esse patamar, elas agregariam cerca de US$ 2,3 bilhões por ano à economia nacional.
Neste cenário, cadeias tradicionais como castanha, açaí, cacau, babaçu, látex, guaraná, polpas de frutas, peixes amazônicos, entre outras, ganham espaço como alternativas para uma economia regenerativa que seja capaz de superar a rentabilidade média, por exemplo, da pecuária amazônica – na casa dos 250 dólares por hectare ao ano.
Diversas destas cadeias apresentam potenciais muito acima destes patamares. Porém, estruturá-las demanda novos arranjos produtivos, novas relações e novos elos entre os atores diversos. Não existe um caminho percorrido neste campo para servir de referência, de forma que a inovação é o único roteiro viável.
O debate sobre o papel dos setores da sociedade, empresas e Estado neste processo, é essencial para a construção de uma rede de investimentos complementares para a promoção das cadeias produtivas sustentáveis. As políticas públicas são um campo decisivo no direcionamento dos modelos produtivos no Brasil e na Amazônia.
Temos a maior política de financiamento rural do mundo, com o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) tendo investido 33 bilhões de reais na safra 2019/2020. Deste total, só 2 bilhões foram para a Amazônia, o que mostra o deslocamento do financiamento público da agenda da bioeconomia.
No setor corporativo, as agendas ESG e de investimento de impacto são campos de convergência para uma atuação voltada à assistência técnica e tecnológica para soluções voltadas à escala e geração de valor nas cadeias da sociobiodiversidade. São diversos os campos de oportunidade para aportes do setor privado nesta agenda: tecnologia, pesquisa, know-how e soluções no campo do empreendedorismo, incubação de organizações produtivas a fundo perdido, assessoria a projetos comunitários, entre outros.
Para efetivar este papel, porém, o setor privado demanda uma aproximação, um mergulho na realidade e culturas da Amazônia. As comunidades locais, agentes centrais da produção e extrativismo das cadeias da bioeconomia, demandam apoio para o desenvolvimento de cadeias robustas. Mas este apoio só é efetivo em processos horizontais de diálogo e aprendizados recíprocos. Na ausência histórica de políticas públicas, as comunidades estruturaram cadeias produtivas baseadas em relações. É a partir destas relações que as cadeias podem progredir.
Para alavancar a agenda da bioeconomia e das cadeias produtivas sustentáveis na Amazônia, o setor privado precisa entender melhor o chão amazônico, na mesma proporção dos desafios de organização e inovação que se colocam às comunidades para estruturação e escala de suas cadeias produtivas e extrativistas. O futuro da Amazônia depende da construção de pontes entre setores e aproximações entre culturas.
Texto elaborado por Mario Braga de Goes Vasconcellos – Coordenador de Projetos
[1] Nobre, C et al. Land-use and climate change risks in the Amazon and the need of a novel sustainable development paradigm. PNAS, Whashington, 2016.
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