Publicado em: 18/02/2022
O combate às drogas e ao alcoolismo tem sido uma questão fervorosamente discutida por diversos campos da sociedade. Os problemas causados pela dependência de drogas ilícitas e pelo uso abusivo de drogas lícitas já não levantam questionamentos: são considerados prejudiciais, tanto individual quanto coletivamente.
Em 2019, último ano do qual se tem dados mundiais, o consumo de drogas foi responsável pela morte de aproximadamente meio milhão de pessoas, segundo informações do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).
Os dados são alarmantes, mas, infelizmente, não contribuíram muito para a diminuição do consumo: em 2020, cerca de 275 milhões de pessoas usaram drogas, e mais de 36 milhões sofreram de transtornos associados ao seu uso, segundo o Relatório Mundial sobre Drogas 2021, divulgado recentemente pelo UNODC.
Em relatórios anteriores, o UNODC já apontava um número mundial crescente de pessoas consumindo drogas lícitas e não lícitas: entre 2010 e 2019, houve um aumento de 22%, creditado, em parte, ao crescimento da população mundial. As projeções indicam que, até 2030, haverá um aumento de 11% no número de pessoas que usam drogas em todo o mundo.
O alcoolismo, por exemplo, é responsável pela morte de cerca de 3 milhões de pessoas por ano, número que representa 5,3% das mortes mundiais. Mais de 200 doenças e lesões estão relacionadas ao uso do álcool, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, especialistas atentam para a relação entre o uso excessivo de álcool e diferentes formas de violência.
Na maioria das vezes, a questão do combate às drogas e ao alcoolismo surge em função de uma discussão específica: as drogas são um problema de saúde pública ou de segurança?
Para entender a questão, é necessário avaliar as diversas vertentes pelas quais ela se apresenta e como o seu impacto social e econômico podem ser diferentes.
Quando consideramos a parte relacionada ao tráfico, à criminalidade em função das drogas e consequentes comportamentos violentos, que podem se dar em função do consumo, estamos tratando especificamente da área relacionada à segurança pública.
Porém, quando consideramos a dependência, a criação de centros de tratamento e o atendimento profissional que precisa ser dedicado para que essas pessoas possam se livrar do vício, estamos tratando da área relacionada à saúde pública.
Essa costuma ser a divisão feita pelo governo federal para tratar do assunto. Entretanto, não é difícil perceber como as duas vertentes estão intrinsicamente ligadas, cada uma gerando impactos – tanto negativos quanto positivos – na outra.
A discussão vai muito além de segurança e saúde. Afinal, é importante destacar que investimentos em acesso à educação adequada, trabalho e políticas públicas para uma distribuição de renda mais igualitária são essenciais para a sociedade, agindo como fatores básicos que poderiam contribuir para se evitar muitos dos problemas sociais que assolam o país, inclusive a questão das drogas.
Políticas de prevenção são relativamente menos custosas do que os gastos provindos de internações ou encarceramentos, sem contar os custos de processos para o Estado e, claro, pessoas privadas. Além disso, evita-se diversos danos morais relacionados aos indivíduos dependentes, como desemprego e a exclusão da sociedade. Ou seja, existem, ainda, os prejuízos sociais não mensuráveis dos usos das drogas.
Também no consumo de drogas lícitas, legalmente liberadas (como álcool, cigarro e medicamentos), se tivermos investimento em políticas públicas de saúde voltadas para a prevenção – principalmente para os jovens – temos grandes chances de diminuição do consumo e das suas consequências.
Em levantamento recente, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou que houve diminuição dos gastos diretos de recursos orçamentários federais para a prevenção e combate às drogas e ao alcoolismo. Segundo o relatório “Análise das Políticas Públicas sobre Drogas no Orçamento Federal – 2005 a 2019”: em 2017, “as despesas atingiram valor de R$ 1,863 bilhão. Em 2018 e 2019, porém, os gastos foram de R$ 447 milhões e de R$ 476 milhões, respectivamente”.
O relatório destaca que as verbas são destinadas principalmente para políticas públicas do ministério da Saúde – com um percentual gasto de 0,44% – e do ministério da Justiça e Segurança Pública, com um valor percentual maior, de 1,68%. Nos dois casos, o relatório indicou episódios nos quais os valores orçados inicialmente para as políticas públicas sequer foram atingidos.
Ou seja, esses valores representam investimentos no combate às drogas e ao alcoolismo que poderiam ter ocorrido, mas não se tornaram realidade.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), não há dúvidas: a dependência em drogas lícitas ou ilícitas é considerada uma doença. Logo, questão de saúde pública e de abrangência internacional. E o tema é visto assim pelos principais órgãos relacionados à saúde em todo o mundo.
O fato de o Brasil encarar o combate às drogas como se fosse principalmente uma questão se segurança, dando mais ênfase às ações repressivas para a redução do tráfico e do crime organizado, e investindo pouco na parte relacionada à prevenção e saúde, tem tido consequências desastrosas para o enfrentamento às drogas.
Ir na contramão das decisões mundiais, que focam em tratar a questão principalmente como de saúde pública, faz com que o Brasil – além de ter péssimos resultados no enfrentamento, seja considerado como um dos países que têm a pior política de drogas no mundo.
Isso foi revelado de forma ainda mais explícita pelo Global Drug Policy Index, ranking publicado recentemente. A pesquisa, feita com 30 países, evidenciou que políticas antidrogas baseadas apenas em “repressão e punição” não foram eficazes, trazendo pouco resultado no enfrentamento.
Já os países que investiram em políticas de saúde voltadas para a prevenção e tratamento, foram os que tiveram resultados mais satisfatórios. O Brasil amargou o último lugar da lista, como o país com a pior política pública de drogas do mundo.
É importante destacar aqui o perfil dos/as jovens presos ou mortos em decorrência da política de repressão e da “guerra às drogas” no Brasil, pois existe um recorte bem específico da população: a maioria é composta por homens, negros ou pardos, e pobres.
No levantamento mais recente, divulgado em 2020, com base em dados de 2019, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) apontou uma população prisional de 773,151 pessoas. Desses, 90% são homens e aproximadamente 8%, mulheres. A maior parte das pessoas presas respondem por crimes relacionados às drogas.
Já o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, atualizado em 2021, traz os dados da segurança pública relacionados às mortes em decorrência de intervenção policial no Brasil, demonstrando os efeitos da desigualdade social: em 2020, 78,9% das vítimas eram pessoas negras.
Segundo o relatório “As mortes decorrentes de intervenção policial no Brasil em 2020”, “A taxa de letalidade policial entre negros é de 4,2 vítimas a cada 100 mil, já entre brancos ela é de 1,5 a cada 100 mil, o que equivale a dizer que a taxa de letalidade policial entre negros é 2,8 vezes superior à taxa entre brancos.”
Em 2019, o governo federal aprovou uma nova Política Nacional sobre Drogas (PNAD), que prevê medidas mais rígidas em relação ao tratamento de usuários na rede de saúde – facilitando a internação involuntária e incentivando o tratamento baseado em abstinência ao invés de redução de danos.
A redução de danos era uma estratégia que vinha sendo adotada anteriormente. Nela, ao contrário da abstinência, não necessariamente o/a usuário/a é incentivado a interromper completamente o uso de drogas. O que ocorre é a busca pela inclusão social e orientações voltadas para evitar consequências mais graves do uso, estimulando uma redução gradual até que a pessoa interrompa o uso, caso seja de sua vontade.
As medidas relacionadas à saúde foram vistas com receio por especialistas da área, que indicaram um possível retrocesso, já que elas poderiam afastar usuários/as de uma busca efetiva por ajuda na rede de saúde.
Embora pesquisas apontem que há divergências e desafios para se calcular oficialmente quanto o Brasil gasta com a sua política de drogas, já que diversas ações estão designadas para ministérios diferentes, o posicionamento do governo atual parece classificar a questão das drogas como de segurança pública.
Principalmente quando consideramos os cortes nos recursos destinados às políticas públicas de saúde voltadas para o atendimento a usuários/as e dependentes, e o aumento nas verbas destinadas às políticas de segurança e repressão.
Vale reforçar que, como vimos anteriormente, esse posicionamento vai na contramão das principais políticas antidrogas do mundo, que tiveram grandes avanços ao investir seus recursos em políticas públicas da área da saúde.
Também é necessário ressaltar que, embora tenhamos trazido as duas principais vertentes dessa discussão sobre a questão do combate às drogas e ao alcoolismo, ela não deve ser reduzida apenas à dualidade de saúde versus segurança, já que apenas a junção de diversas áreas e ações pode ser capaz de melhorar a realidade social como um todo. Isso implica em investimentos em saúde e segurança, sim. Mas também em educação de qualidade, melhores condições de vida, emprego e renda para todos e todas.
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